segunda-feira, 15 de março de 2010

sorvedouro



o meu lugar neste sepulcro escuro afunda a profundidade do meu polido esquife:

a noite colhe-me acordado uma e outra vez, turvo de pensamentos obstinados, louco de rancor. desgarrado uma outra vez, e ainda. esse semblante mascarado de felicidade não mais me enganará. a sombra da falsidade abraça-me com o doce perfume da amargura. não me pesa mais o clamor do meu anjo, que não se faz ouvir, afogado em tantas lágrimas perdidas... desvanece tão lentamente esta minha centelha... demasiadamente vagarosa, arrasta-se aqui sem propósito, solidão enterrada no tempo que se vai penosamente arrastando.


continua essa abandonada alma, esquecida, sozinha, fria:

um destes dias chegarás ao triste desfecho, que tudo o que me agonias me deixa ainda mais só... envolto em fumos e de copo na mão, exalto em vão o corpo fustigado. flutuam pedaços de ti em memórias distantes, esses choros que me segredas baixinho à alma, já que o corpo, esse, perde força de viver. quão quente estás a preto e branco dentro deste copo! quão fria te vais afastando da outrora tua protectora. proteges antes os teus vivos que os teus mortos, precisando tão mais estes, penosos passados em juízo, definham na eternidade de um raso buraco. e com isto eu aprendi a ver as cores com que te engalanas. tratarão um dia do teu vulto como a tratas agora. pesar, dei eu na sombra de uma cruz. tu? nada. um dia também tu repousarás na prateleira do esquecimento.

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